Lisboa sem fotografar

Vou-me apercebendo do que está a acontecer. Nas ruas, uma sensação de preocupação paira no ar. Hoje é um dia diferente. Não tenho a câmera. A minha fiel amiga, ficou a descansar neste que se avizinha um período de recolhimento. Recuso-me a fotografar o deserto, este deserto que recentemente encontrei. Se assim fosse, iria para um verdadeiro deserto, como aquele que encontramos por entre dunas e oásis em tantas outras cidades. Lisboa não. Ela não tem esse deserto. O que vemos agora, não é aquilo que a minha cidade é.

Vou trabalhar. Acordo cedo demais e atravesso Lisboa por carris e colinas que me levam aonde devo estar. Ao caminhar pela cidade, fico a sentir um frio interior que me faz querer relembrar aquilo que Lisboa nos faz sentir tão bem – aquele colo em noites de luar, aquela energia de te querer contagiar, aquela luz que te tranquiliza. Continuei em jeito de até já neste que seria o dia anterior às quatro paredes entrar. Conformada com a situação, continuo a caminhar até ao miradouro onde fica o meu lugar. A luz da manhã de Lisboa. Intensa e delicada ao mesmo tempo. Um brilho que transforma tudo à sua volta. Não é só Lisboa enquanto cidade, é também os seus reflexos e silhuetas a que este brilho dá vida.

Quando cheguei logo notei uma paz incrível. Uma energia, aquela que eu à pouco estava ali a recordar. Parei e cumprimentei um colega, que tal como eu, ali se encontrava a meditar sobre aquele momento tão especial. De repente, percebo, que não tenho ali a minha melhor amiga dos segundos imperdíveis. Lembro-me que muito mais importante do que a câmera é captar os momentos que tão cedo não irei ver. Com um telemóvel de uma geração de anos a fio e hipnotizada pelo que estou a ver, tiro sem parar várias fotos a correr. Um casal, sobre a paisagem do miradouro. Os dois um a olhar para o outro, de frente, como se um poema tivessem a declamar, por entre carinhos, beijos e toques lá tirei eu a fotografia que inesperadamente o universo me veio dar. Com eles, senti a esperança nas relações humanas e no que mais importante a minha fotografia poderá dar à cidade de Lisboa. As pessoas são a cidade. A luz da cidade certamente seria mais vazia se aquelas duas pessoas ali não estivessem. Com esta foto na mão, a foto antes das quatro paredes, vejo que Lisboa só merece ser fotografada quando o seu bem mais essencial, as pessoas, se encontram na cidade. Com esta verdade, recuso fotografar a cidade despida. Talvez me dispa agora em palavras para escrever sobre ela e as suas histórias por onde andei tantas vezes.

A fotografia, irá viajar pelo mundo das palavras enquanto este mundo ainda estiver hibernado no recolhimento colectivo.

Aqui neste lugar de imaginação que é o Lisbon Guardian conto as histórias das pessoas com quem me cruzo na cidade. Lisboa é isto, uma energia indissociável das suas histórias e das suas pessoas. A fotografia, o meio visível dessas mesmas histórias. Mas em momentos como o que vivemos, talvez, o que não se vê, seja mesmo o mais essencial.

 

8 Responses

  • Obrigada por através do teu olhar e do teu espírito ver o brilho que Lisboa nos trás. É mágico!
    Que estas duas pessoas se possam multiplicar por cada canto da cidade e que a tia câmara possa disparar a cada instante
    Grata pelo teu lindo texto 🙏❤

    • Acho que temos aqui alguém com muito jeito para escrever querida Susaninha:) Obrigada pelo bom impulso que me destes para voltar a escrever. Foi muito importante aquela nossa conversa! Grata a ti <3

      • Carina, que as tuas palavras sentidas palavras acompanhem as imagens coloridas e cheias de sentimento desta nossa cidade.
        Eu é que te agradeço por poder contemplar as tuas imagens e que em breve terás um mundo mais natural e colorido da nossa cidade.
        Obrigada por seres luz nestes dias sombrios 🙏❤

  • Obrigada por através do teu olhar e do teu espírito ver o brilho que Lisboa nos trás. É mágico!
    Que estas duas pessoas se possam multiplicar por cada canto da cidade e que a tua câmara possa disparar a cada instante
    Grata pelo teu lindo texto 🙏❤

  • Nossa me tocou a alma! Gratidão pelas lindas palavras e reflexões. Parabéns 🌹🌹😘😘👏👏 alma perfeito Carina beijos e força que logo poderá fotografar as lindas pessoas que se farão presentes na linda Lisboa

    • Querida Diany, muito obrigada pela sua mensagem <3 Fico contente que de alguma forma o meu texto a tenha tocado. Nesta fase em que estamos mais limitados a sair à rua, é importante viajarmos juntos na imaginação. Espero logo logo, voltar com muitas fotos da nossa linda Lisboa <3 Bem Haja para todos:)

  • Adorei! Já te tinha dito que gosto da tua forma de escrever! Não há fotografia mas há história e discrições que que nos fazem criar a nossa fotografia! Isso também Arte é incentivo à Criatividade! Clap Clap Adorei Linda Carina Grata🌈💐💖📷

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