Gaivotas em Terra

O rio não lhes chega. Com a sua imponência, aproximam-se da costa e cumprimentam de asas bem abertas todos os que por ali passam.

Em Belém cruzam-se numa dança contemporânea de vários sentidos e trajectórias dignas de um balé russo. Adormecem no topo dos Jerónimos. Voam pelo rio e jardins deste lugar. Ficam no cume mais alto de Lisboa para tudo conseguirem visualizar.

Chegam ao Cais das Colunas, junto à praça do Comércio. Aí são donas dos céus. São dezenas. São magníficas. São guardiãs de todos os lugares junto ao rio.

Um dia, daqueles em que a vontade de fotografar aumenta a cada segundo, saí com a expectativa que poderia acontecer algo diferente. Nós sentimos estes dias. Estão destinados a uma surpresa boa que já parece que intuímos. São estes dias que me aproximam do Tejo. Nesta busca pelo diferente, pelo que pode acontecer de inédito neste lugar.

O sol de brilho infinito, cruza a arquitectura da história e reflecte o contorno daqueles que junto ao rio tiram séries de fotos, de quem quer eternizar.

Apesar do mar tranquilo, oiço vezes sem conta, as vozes de todas elas que nos céus se estão a mostrar. No cais das colunas, um mar de gente enche a plateia deste espectáculo que a natureza produz. O momento é insólito! Nesta sincronia de voos acabam por delinear um percurso com o mesmo destino, o destino ao que um homem lhes está a dar.  Com um saco cheio de pão na mão, lança este alimento a todas aquelas que à sua volta se mostram famintas. Talvez de fome, talvez de interacção com os humanos. Ele, teve a coragem de se deixar levar pelo que o momento estava a pedir. Ele, entregou-se a elas de tal forma que parecia um jogo onde cada uma se aproximava e tentava a sua sorte. Foi nesta linguagem com a natureza que me revi.

Os fotógrafos que ali estavam, não queriam perder um segundo deste teatro a céu aberto. Também eu fotografei por diversas vezes, este cenário de movimento. Foi no momento decisivo do clique, que decidi mostrar a pureza da bondade do ser humano com a proximidade da natureza. Ele, homem do saco cheio de pão, estendeu a mão e em fracções de segundos, ela, de asas abertas e de uma rapidez selvagem aceitou aquele pedaço de carinho humano. Senti esperança nas relações humanas com a natureza. Senti que ao captar este instante, poderia mostrar a todos nós que ainda podemos, mesmo na cidade, ter esta partilha.

Na Lisboa que acontece, nestas ruas de pessoas, temos sempre a oportunidade de falar com as personagens principais. Assim foi, terminei a sessão e lá fui na busca de um sorriso deste homem que vive com a natureza na cidade. Não me falou de si mas deixou-me o sorriso, o mesmo que encontrei quando fui fotografar.

Monumento_ Mosteiro dos Jerónimos 

Texto escrito ao abrigo do antigo acordo ortográfico

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